O debate entre Lula e Collor, em 14 de dezembro de 1989 |
Por: Walter Brito
Três décadas serão completadas no próximo dia 14 de dezembro, data em que um pool de empresas de televisão foi formado pelas TVs Manchete, SBT, Bandeirante e Globo, quando foi transmitido para todo o Brasil o debate entre Lula e Collor, que, sem dúvidas, entra para a história como o marco da redemocratização, ocasião em que fez também 30 anos da primeira eleição após a ditadura militar que dominou o país por 21 anos. O Brasil vivia um momento de incertezas e tensão na maioria de nossos municípios e em todas as regiões. O grande transtorno era a inflação alta, dos Planos Cruzados 1 e 2, sob o comando do então presidente Sarney, que não conseguia controlar nem a inflação e muito menos o desespero do povo! Por meio do Programa Pão e Leite, Sarney procurava acalmar os mais necessitados, mas o inconformismo, sob a regência da classe média e boa parte de nossos intelectuais, se tornava cada vez mais difícil de ser contido. O povo exigia mudanças profundas e imediatas.
Vale lembrar que a classe média, que sempre carregou o país nas costas, se dividiu majoritariamente no primeiro turno daquela eleição de 1989, entre Brizola, Mário Covas, Ulysses Guimarães e Roberto Freire. Em contrapartida, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu dividir os mais necessitados, principalmente no Nordeste, com Fernando Collor, o azarão que superou todos os candidatos de centro e de direita, embora pouco conhecido nacionalmente, tal qual o seu partido, o PRN. Além de tudo isso, Collor era candidato pelo minúsculo Estado de Alagoas, sem expressão eleitoral no país. O jovem presidenciável, com todo o gás e inspirado no bordão Caça aos Marajás, tinha deixado o governo de Alagoas aos 39 anos para disputar a Presidência da República.
O Velho Caudilho, Leonel de Moura Brizola, foi derrotado pela TV dos Marinho |
Por outro lado, o ex-governador do Rio Grande do Sul, depois de 15 anos de exílio, conseguira derrotar a TV Globo e a direita no Rio de Janeiro em 1982, quando se elegeu governador também daquele estado. Entretanto, no plano nacional, as máculas pregadas pela rede de comunicação dos Marinho contra o engenheiro gaúcho foram mais fortes, e Brizola teve dificuldades de superar Lula no primeiro turno da eleição presidencial de 1989, oportunidade em que este obteve 0,5% a mais que o candidato que prometia fechar a Rede Globo. Por isso, o termo pejorativo Velho Caudilho, dado pelas elites com o aval da família Marinho e outros que insinuavam que Brizola era um líder perigoso e desagregador, obviamente colaborou com a derrocada do líder e criador do PDT. Desta forma, consolidou-se a ascensão do novo líder que surgia nos fundos das fábricas do ABC paulista, Luiz Inácio Lula da Silva, o líder sindical que protagonizaria ao lado de Fernando Collor o mais importante debate político nos últimos 30 anos da história do Brasil.
Como sabemos, o poder não se entrega. Neste sentido, o poder é disputado com todas as forças no mundo democrático. No passado tínhamos uma concepção antiga cuja máxima era: “O poder não se entrega, ele é tomado pelo lado mais forte”, o que certamente equivalia a um vale-tudo! Evidentemente que em 1989, a nossa realidade era bem diferente da de hoje, quando as redes sociais são as grandes vedetes da comunicação e contribuem efetivamente para a decisão a favor de um lado ou outro.
O último debate a que nos referimos foi realizado no dia 14 de dezembro de 1989, entre Fernando Collor (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e durou três horas. O famoso debate mostrou um Collor mais preparado para governar o Brasil e consequentemente conquistar o voto da maioria do povo brasileiro. Collor estava tranquilo e respondia às perguntas de seu adversário e dos jornalistas com sabedoria, serenidade e rapidez. Por outro lado, Lula se mostrava nervoso, ansioso e teve dificuldades de responder no tempo certo o que sabia e o que pretendia fazer por um Brasil melhor, em um momento decisivo em que o país estava por inteiro com o olho na televisão.
A vitória de Collor no debate, certamente ajudou os indecisisos decidir pelo ex-governador de Alagoas |
O debate transmitido pelas quatro principais redes de televisão, à época, aumentava a responsabilidade de cada debatedor. Provocado por Collor, Lula se descontrolou e não rendeu o suficiente para superar o alagoano, que foi prefeito de Maceió aos 29 anos, deputado federal aos 32 anos, governador de Alagoas aos 38 anos e no dia do referido debate, contava com apenas 40 anos de idade. Embora Lula tivesse a facilidade de falar para as massas como líder sindical e de ter passado pela Câmara Federal, ele ainda não tinha as malícias exigidas naquele dia histórico. Fernando Collor foi de fato o melhor debatedor, posição aliás admitida, após a eleição, por José Genuíno, ex-deputado federal, ex-presidente do PT e um dos maiores amigos do candidato derrotado Lula.
DOIS ANOS E MEIO DO GOVERNO FERNANDO COLLOR.
Mandela sai do Cárcere na África do Sul e é recebido por Collor no Palácio do Planalto |
Observadores atentos no Brasil e do exterior hoje estão convictos de que o governo Collor, durante os dois anos e meio de administração, foi injustiçado ao ser apeado do poder sem nenhum ato de corrupção provado, quando o ex-presidente foi absolvido em todos os processos contra ele no exercício do cargo. Um Fiat Elba, comprado por PC Farias com dinheiro de sobra de campanha, foi o objeto que teve participação decisiva no processo de impeachment do então presidente da República, Fernando Collor, no ano de 1992.
Muitos são categóricos em admitir, como fez o Banco Mundial, por meio de relatório em 2018, que entre diversos avanços no governo Collor, a instituição mostrou de forma clara que a população menos favorecida foi efetivamente mais beneficiada no governo Collor do que os ricos.
Entrevistado pela reportagem sobre as ações implementadas em seu governo, Fernando Collor disse o seguinte: “A abertura de mercado feita em meu governo permitiu aos brasileiros de todos os rincões transitarem em automóveis de alta qualidade, quando comparados com os automóveis usados nas ruas e estradas de nosso país, antes de 1990”. Segundo o ex-presidente, os automóveis, antes de seu governo, eram verdadeiras carroças e ficaram como lembrança de um passado triste para toda a população com mais de 40 anos hoje, que viu e conviveu com aquela realidade!
Ele afirmou ainda: “Quem não se lembra dos computadores arcaicos da década de 80? – E mais, a partir de nosso governo, notadamente passamos para um período no qual os nossos computadores e celulares eram de padrão internacional, quando inserimos o nosso país no mundo da tecnologia de ponta. A alta tecnologia que usufruímos hoje, certamente é fruto de nosso trabalho árduo nos dois anos e meio em que permanecemos na Presidência da República”, disse o ex-presidente.
O presidente Fernando Collor recebe o Papa João Paulo ll no Palácio do Planalto |
Referente ao confisco da poupança, o ex-presidente não se conforma com o termo e diz de forma veemente: “Não houve confisco e nem sequestro do dinheiro do povo brasileiro. O propósito foi diminuir a liquidez financeira naquele momento de instabilidade. Prova disso, no governo de meu sucessor Itamar Franco, o Plano Real foi implantado e, caso não tivéssemos tido a coragem de tomar aquela medida, obviamente o Plano Real não teria sido implementado com todo sucesso. Lembro ainda que todos os brasileiros tiveram seus valores devolvidos em doze parcelas. Além disso, a correção monetária foi feita em melhores condições que as oferecidas pelo sistema financeiro à época. Ressaltamos, ainda, que a medida atingiu 10% das contas do nosso povo. Todos receberam o dinheiro de volta conforme prometido, quando tomamos aquela medida necessária no momento de grande crise”, concluiu o ex-presidente e senador pelo PROS de Alagoas, Fernando Collor de Mello.
COLLOR E CAIADO: OS ÚNICOS DE 89 COM MANDATO!
Collor no Senado e Caiado no Governo de Goiás |
Embora Luiz Inácio Lula da Silva, derrotado por Fernando Collor na eleição de 1989, já esteja solto nas ruas do Brasil, depois de 580 dias no cárcere em Curitiba, sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro; o ex-presidente e comandante maior do Partido dos Trabalhadores é, sem dúvidas, um dos maiores líderes políticos da América Latina, contudo sem mandato eletivo.
Daqueles que disputaram a Presidência da República em 1989, cujo total foi de 23 candidatos, os únicos que continuam com mandato são Fernando Collor (PROS) e Ronaldo Caiado (DEM). Fernando Collor de Mello está no exercício pleno do segundo mandato como senador, foi presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado e também da Comissão de Relações Exteriores. Tem mandato até 2022. Já Ronaldo Caiado é o atual governador do Estado de Goiás.
COLLOR E SUA INSERÇÃO NO CENÁRIO POLÍTICO ATUAL
A liturgia no exercício da Presidência da República |
O ex-presidente Collor, ele e o seu antecessor José Sarney, sempre foram preocupados com a liturgia no exercício de suas atividades na Presidência da República. Procuraram seguir a máxima que diz: ‘A Presidência da República não é um cargo, é uma instituição’. Como a Presidência no Brasil reúne a Chefia de Estado e a Chefia de Governo, os dois ex-presidentes foram fiéis aos detalhes da referida liturgia, desde o uso de ternos bem talhados sob medida, à preocupação com o protocolo nos palácios do Brasil e do mundo, e também com as palavras ditas, pois a cadeira da Presidência é maior que o presidente e ninguém modifica. Neste sentido, as palavras deselegantes ditas por Bolsonaro ao presidente da França, Emmanuel Macron e determinadas postagens publicadas pelo twitter do presidente desagradaram a gregos e troianos, inclusive a muitos dos seus declarados eleitores.
Desta forma, temos lido, ouvido e visto na mídia matérias em que ex-presidente Collor discorda de certas ações do presidente Bolsonaro, mas o faz, com muita sabedoria e elegância. A preocupação do ex-presidente é certamente a preocupação da maioria da população, independentemente de ter votado ou não em Jair Messias Bolsonaro, pois ele é hoje o presidente dos 210 milhões de brasileiros.
O FILHO 03 DE BOLSONARO
O zero três em ação! |
Entre as diversas entrevistas de Collor à imprensa, ele comentou a afirmativa do deputado mais votado do Brasil, Eduardo Bolsonaro (PSL), referente a um novo AI 5. Disse Collor: “É absolutamente inadmissível. São declarações vindas do núcleo duro do presidente, com assentimento dele”, arrematou. Ainda sobre o filho do presidente, quando Eduardo falou sobre a possibilidade de fechar o Supremo, com um cabo e um soldado, Collor se posicionou: “Onde é que estamos? Ele não podia falar nada parecido!
SEMELHANÇAS ENTRE OS ERROS DO EX E DO ATUAL PRESIDENTE!
Recentemente o senador alagoano disse em entrevista à coluna de Bernardo Mello Franco, publicada no jornal O Globo, que Bolsonaro está cometendo os mesmos erros que o levaram ao impeachment. Disse o ex-presidente: “Continuando do jeito que está, eu não vejo como este governo possa dar certo. Trata-se de erros primários. Vejo semelhanças entre o tratamento que eu concedi ao PRN e o que ele está conferindo ao PSL. Em outubro de 1990, nós elegemos 41 deputados. O pessoal queria espaço no governo, o que é natural. Num almoço com a bancada, eu disse: ‘Vocês não precisam de ministério nenhum. Já têm o presidente da República’. Erro crasso! Estou dizendo porque já passei por isso. Estou revendo um filme que a gente já viu. Vai ser um desassossego para ele”. Neste sentido, Collor diz que o impeachment do Bolsonaro é uma das possibilidades. O ex-presidente acrescentou: “Bolsonaro não vem se preocupando com a divisão da sociedade brasileira, que se aprofunda. Com a soltura do Lula, a tendência é que essa divisão se abra mais”, argumentou Collor.
Coincidência ou não, os protagonistas do último debate, um está nas ruas com o povo e outro, no Congresso Nacional. As palavras ditas naquela noite do dia 14 de dezembro de 1989 têm reflexos no Brasil de hoje, dividido entre os seguidores de Lula e os apoiadores fiéis de Bolsonaro.
No último domingo, os principais cenários da divisão em pauta foram à Avenida Paulista, ocupada pelos defensores incontestes do governo Jair Bolsonaro e, uma boa parte, contra o Supremo, enquanto que artistas de diversas tendências reforçavam o Festival Lula Livre, no Recife em Pernambuco, cujo palco foi balançado pelo grito de liberdade do líder Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu boas novas nas eleições de 2020 e 2022.
Lula comemora sua liberdade e o mês da Consciência Negra, no palco e diante da multidão em Recife |
Alguns analistas de proa da política nacional, inclusive bolsonaristas, são categóricos em afirmar que Lula solto impede a ascensão de quaisquer candidaturas de centro em 2022, tais como as dos governadores de São Paulo e Rio, respectivamente João Doria (PSDB) e Wilson Witzel (PSC); Luciano Huck (sem partido), mas namorando o Cidadania de Roberto Freire; Tiririca (PL) e Henrique Meirelles (MDB). Com isso, a disputa ficará até as vésperas do pleito de 2022 polarizada entre Lula e Bolsonaro. Que o melhor debatedor convença o povo brasileiro pelo melhor caminho em 2022!
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